No livro “A Luz da Ásia”, onde se conta de forma muito bela a vida do Budha, o autor coloca nos lábios deste mestre oriental a frase que serve de título a este artigo: “ Se o
futuro não encontra raízes no presente, como germinará, no tempo que virá? Aquilo que é, de uma certa maneira, sempre foi...” Como filósofa, proponho tomarmos esta ideia como
possibilidade e usarmos algo do nosso tempo para examinar esta questão das sementes que plantamos e das colheitas que temos feito.
Se pararmos para procurar, talvez vejamos que alguns dos momentos mais interessantes da nossa vida, as sementes mais promissoras, sejam aquelas que nascem no terreno da maturidade que vamos adquirindo: um pouco mais de compreensão do tamanho do drama humano, um pouco mais de valorização de suas pequenas iniciativas para se sobrepor ao meio e a si mesmo, um pouco mais de compaixão pela nossa pouca memória, pois já ouvimos tantas boas “receitas de bolo”, mas insistimos em começar do zero, desperdiçando ingredientes, tempo, Fogo... E também um pouco menos de ansiedade para valorizar os avanços instáveis e inseguros dos primeiros passos, em cada nova conquista, sabendo que a vida estará sempre demandando paciência para os primeiros passos e aceitação para os últimos; um pouco menos de crueldade, ao julgarmos uns aos outros, e de firmeza, para conduzirmos a nós mesmos... Tantas coisas, pequenas, mas valiosas, creio, como são as sementes. São como primeiros trinados da voz da alma humana, que se esforça por achar a nota.
Fico imaginando se, ao invés de ambições malucas e vaidades duvidosas, aceitássemos apenas isso: gerar pequenas sementes, belas e consistentes; pequenos, mas melodiosos “vocalizes”, onde nossa alma emitisse seus primeiros sons. Um dia, haverá árvores e haverá árias, sombras acolhedoras e sons melodiosos. Que a maturidade nos permita amar estes frutos que serão colhidos no futuro por outras mãos, mas que, para isso, necessitam, neste momento, mergulhar suas raízes profundamente dentro de nós. A semente é minúscula, mas o sonho que ela representa, não.
Talvez isso pareça um sonho modesto, porque perdemos o foco, em nossos dias: esquecemos que a única obra válida e perdurável do homem é a construção do próprio homem de uma forma irônica e até um tanto absurda, trabalhar para qualificar a humanidade deixou de ser uma meta relevante... para a humanidade. Daí, o paradoxo atual: não vivemos uma época “estéril”, no sentido de que as sementes que plantamos têm sido colhidas abundantemente: muita tecnologia, muitos meios de comunicação (e tão pouco de válido a dizer!), muitas novas formas de entretenimento para aqueles cuja vida consiste apenas em “passar o tempo” agradavelmente.
Porém, se há tantos frutos, por que será que continuamos nos sentindo de mãos vazias, com vidas vazias, falando palavras... vazias? Talvez haja que prestar mais atenção nessa óbvia e bela relação entre sementes plantadas x frutos colhidos. Talvez haja que perceber que, queiramos ou não, tenhamos ou não consciência, toda nossa vida se divide entre colheita e semeadura.
Há uma passagem de uma muito popular canção que indaga, desafiadoramente: “Você tem fome de quê?” Sem dúvidas, uma boa pergunta... pense nela, antes de escolher as sementes que serão seu rastro neste dia, neste ciclo... nesta vida; que tipo de fome elas saciarão, no futuro? É justo e necessário cuidar das sementes que matam a fome do corpo; mas a alma também sofre de inanição, e um mundo humano sem alma oferece o mais triste e amargo espetáculo que se possa imaginar.
Professora e Diretora adjunta de Nova Acrópole
Lúcia Helena Galvão
luciahga@hotmail.com
quarta-feira, 24 de setembro de 2014
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
A cortesia
Começaremos esclarecendo que o verdadeiro sentido etimológico e ideológico da palavra "cortesia" nos vem das antigas "cortes", lugares habitualmente usados por filósofos, artistas, literatos, políticos, economistas, juízes, médicos e, em geral, todos os profissionais e pessoas distintas a quem correspondia tomar as considerações e decisões em um estado ou reino, em uma, como dizia Platão, congregação; quem, por seus talentos, saberes e habilidades, prestavam um serviço público à sociedade; os que estavam encarregados do estado, palavra que, em latim, se transformou em "res pública" (da coisa pública), de onde vem a palavra "República".
Em todas as antigas culturas e civilizações que conhecemos, ainda que parcialmente, existia uma forma "cortês" de relações entre as pessoas. Na chamada idade Média do Ocidente, o cortês se configurou em círculos mais fechados de comunicação entre damas e Cavalheiros e destes entre si, desde a formação como pajens até a culminação como cavalheiros.
Desgradaçadamente, com o andar do tempo, muitas dessas sãs e úteis tradições caíram em desuso e também na degeneração, promovendo costumes falsos e mentirosos. Esta última imagem é a que nos tem chegado através da comunicação massiva. E hoje, sobretudo entre os medianamente jovens, os que sofreram a deformação do pós-guerra, a cortesia aparece como um sinônimo de falsidade e falta de autenticidade.
Nós, filósofos, queremos resgatar e gerar formas de cortesia que nos afastem da animalidade estupidizante e do enfado do meramente instintivo.
A cortesia é, por sua vez, uma forma de generosidade e de amor. Um reconhecimento da fraternidade universal para além de todas as diferenças de classes, etnias, sexos, condições sociais e econômicas. É uma maneira humilde, mas agradável de aplicarmos nosso primeiro princípio:
Reunir aos homens e mulheres de todas as crenças, raças e condições sociais em torno de um ideal de fraternidadeuniversal.
Assim como, quando damos um presente, por pobre que este seja, costumamos cobri-lo de papéis e fitas coloridas, de maneira que antes de chegar ao objeto em si, o destinatário tenha a sensação de que pensamos carinhosamente nele e que nos preocupamos em expressar-lhe nossos sentimentos afetuosos e nossos bons desejos. Toda palavra e ação devem estar prudentemente envoltas de nossa capacidade de dar e amar.
Não se é menos homem ou menos mulher por superar rusticidades. Ao contrário, são o cavalheiro e a dama mais eficazes e agradáveis se põem em tudo que fazem uma pitada de beleza, de amor e de cortesia. Saudarmo-nos com um aperto de mãos, um abraço ou um beijo, conforme sejam as circunstancias e os atores, e por "ator" devemos entender o que o Imperador Augusto entendia: partícipes ativos e eficazes da vida... O que faz algo, o verdadeiro "Ator", segundo o teatro "Mistérico", é o que representa as coisas, o que as apresenta de novo, mas agora com uma carga de interpretação humana que as melhora, embeleza e enobrece, de modo que todos possam participar de alguma maneira delas.
Deveríamos nos esforçar em deixar fora todo gesto de ira e amargura, de ódio ou de rancor. Esta atitude, mesmo que se comece de forma meramente externa, se se mantém com força e perseverança, chega a atingir patamares mais profundos, e como o palhaço dos contos, de tanto sorrir e fazer rir, acaba por contagiar-se a si mesmo com sua alegria e encontra consolo para as desventuras da vida.
Existem muitas "ideologias" políticas e religiosas que têm provocado genocídios e tem feito muitas pessoas chorarem. Façamos nós o contrário; tragamos alegria, paz, concórdia, prosperidade. Um filósofo triste por circunstâncias banais, não é um verdadeiro filósofo; é menos ainda, se o demonstra e anda chorando suas penas a todas as suas amizades, dando sinais de frouxura, impotência espiritual e debilidade vampirizante.
Acostumemo-nos a dar antes de pedir.
Evitemos julgas os demais à luz de nosso ainda nascente discernimento, abundantemente deformado por nossas paixões. Sejamos fortes e verticais.
No mundo já há mendigos demais... Não sejamos um deles.
Não me refiro tão somente ao plano econômico, mas sim ao global. Ofereçamos as mãos cheias! Nossa energia, nossa bondade e boa vontade para todos. Trabalhemos muito. Estudemos, pensemos e oremos o necessário..., mas, acima de todas essas coisas, rompamos nossos modelos de egocentrismo, com Humildade de Coração, que não é do corpo e dos trapos. Sejamos corteses... Façamos realmente e todos os dias um mundo novo e melhor... E vivamos nele.
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