O relógio em meu pulso completou sua saga no máximo
cinco vezes, porém meu coração pulsava como se o tempo fosse eterno. Lembrei-me
do trecho do épico livro da tradição hindu, o BhagavadGita, que conta a
história de um herói, que ao entrar num campo de batalha, até os Deuses pararam
para vê-lo lutar. Um verdadeiro “tempo fora do tempo”.
Então, comecei a refletir sobre os Mitos, e como
eles foram feitos para durar para além de sua própria existência. Que oportunidade
bonita com a qual o Destino me presenteou: poder viver ideias, histórias,
batalhas... quão belo é poder sonhar.
Lembrei-me ainda do tempo em que eu era criança, e
que para dormir não era suficiente um cobertor, um travesseiro, ou em épocas
mais remotas, um ursinho de pelúcia. Não bastava o “beijo de boa noite” dos
meus pais, ou o “durma bem, meu irmão querido”. Havia a necessidade de um
ritual de passagem: as histórias antes dormir contadas por minha mãe ou por meu
pai. Às vezes, era para eles um sacrifício manterem-se acordados até o “e viveram
felizes para sempre... FIM!”. Hoje entendo o valor deste sacro ofício de
ensinar e educar pacientemente uma criança.
As histórias de príncipes, princesas, peixinhos
dourados, meninos levados...todas elas ficarão para sempre marcadas em meu
coração, porém, mais profundas do que estas marcas são as lembranças de quão
importante era ir me desconectando da realidade de um dia cansativo em meio a
brincadeiras e outros desgastes que só as crianças têm, para adentrar numa
realidade ainda mais real, o maravilhoso mundo dos sonhos. Era como se aquelas histórias
fossem uma preparação para que a entrada neste outro mundo não acontecesse de
uma vez só.
Gostar de histórias e contos de fadas quando se é
criança tem o seu valor, mas continuar gostando de tudo isso depois de adulto
tem também o seu sabor. Não tenho vergonha de dizer que sigo acreditando em
peixinhos dourados, bruxas e dragões.
Porém, hoje os vejo para além dos livros e filmes, vejo-os todos os
dias, em cada desafio e em cada novo aprendizado que retiro das experiências da
vida.
Neste tempo fora do tempo ao qual me referi no
início desta reflexão, revivi a saga de um Cavaleiro Andante que fez da lança
seu escudo, do escudo sua morada, da morada seu castelo. Mergulhei no mar de
sonhos de um homem que se fez real pela magia de sua própria imaginação. De
moinhos fez gigantes, de mulheres fez donzelas, de parceiro fez amigo fiel
escudeiro.
Já não sabia mais se estava nas estradas da Espanha
ou na comemoração de aniversário de uma pessoa querida, também cavalheiro,
também andante, mas não mais de triste figura, pois seu sorriso expressava toda
alegria de seu coração. Em meio ao amarelo solar e o vermelho vibrante, uma
bandeira flamejante fez-se bolo, a uva fez-se brinde, e um mito fez-se festa!
Em um palco onde sombras e homens se mesclavam,
representamos este teatro da vida real e imaginária daqueles que reconhecem
como sentido de sua trilha a estrela que brilha no céu da noite escura dos
tempos. E neste palco, pronunciamos as falas que diziam muito por nós: “há homens que dormem e não sonham, outros
que sonham despertos, há ainda os que matam seus sonhos, e aqueles que lutam
sonhando. Os idealistas acreditam que não há impossíveis, mas sim,
impossibilitados. Impossibilitados de sonhar, de viver uma saga heroica, de
lutar por tudo aquilo que acreditam”.
Dias antes, li numa revista já coberta pelo marrom
envelhecido dos anos, os versos que seguiram estas frases: “Não
é loucura viver por um Ideal, nem loucura crer em Damas e Cavalheiros, ou
render culto à honra e lutar pela justiça. Não é loucura crer em Deus, e amar
todo o nobre e todo o bom. Não é loucura confrontar-se com gigantes para
convertê-los em moinhos de vento. Não é loucura, neste mundo de egoísmo e
violência, ser idealista. Não é loucura lutar apaixonadamente pela construção
de um mundo novo e melhor. Se és idealista, o Quixote eterno... está dentro de
ti!”
Hoje, trazendo à memória todas estas imagens,
reafirmo com toda a força do meu coração: não é loucura crer em contos de
fadas, não é loucura crer em mitos e heróis. Loucura mesmo é acreditar que a
solução das nossas vidas está naquilo que o tempo pode roubar de nós.
Crônica de Aline Almeida
Crônica de Aline Almeida
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