Quando era pequena, amava aquela passagem do Peter
Pan, onde a Sininho falava que, cada vez que alguém dizia não crer em fadas,
uma fada morria. Batia palmas, energicamente, junto com Peter Pan, para que ela
voltasse à vida, e vibrava quando ela alçava voo, espalhando pó de pirlimpimpim
para todos os cantos.
Num desses dias, escutava uma jovem que, ao se
lamentar pelo aparente fracasso em seu relacionamento, usou uma frase fatal:
“Já não sou mais uma menina para acreditar em príncipes encantados montados em
cavalos brancos e em amor eterno... já me conformei com a realidade!” Acho que
o pó de pirlimpimpim, tantos anos adormecido dentro de mim, despertou e
soltou faíscas diante disso: como assim? que realidade? Que as paixões morram,
acho natural, pois buscam coisas tão superficiais que já nascem meio mortas;
tão instintivas, que parecem mais anseios do cavalo que do príncipe; tão densas
e carregadas de fantasias, que parecem partir mais do fígado do que do
coração... são mesmo fugazes, as paixões. Mas por que devem carregar consigo o
Amor? Quem disse que elas suportariam tal peso?
“Mas os fatos comprovam...” diria a nossa jovem...
quem disse que a realidade se mede por fatos? A realidade se mede por sonhos:
as coisas mais belas que possuímos são sonhos projetados por homens grandiosos,
que atropelaram a mediocridade de suas “realidades” e ousaram levantar voo...
Os fatos foram feitos para serem atropelados, para serem trampolim de sonhos...
ninguém ensinou isso à nossa jovem? ”Eu sonhava com príncipes e princesas, e
vieram homens e mulheres...” ótimo! Já temos a matéria prima, o mármore de onde
Michelângelo tirou seu Davi e sua Pietá...”Eu sonhava com ‘Davis’ e ‘Pietás’ e
me deram pedras de mármores !”...você o ouviu falar isso? alguém ouviu?
Sabe o que é a realidade, minha jovem? Sonhar
ardentemente com um príncipe, nobre, honrado, grandioso e digno, fixar
firmemente esse sonho e, com a mesma força, tomar a mão do ser humano que está
ao seu lado, embriagá-lo com seu sonho e ajudá-lo a caminhar para lá.
O segredo é apertar bem a mão até doer os ossos; se
você apertar o suficiente, costuma grudar para sempre... não as mãos, mas os
sonhos e os corações, de tal forma que não desgrudam mais. Se viemos ao mundo
para ser agentes da unidade, quanto mais “grude” produzirmos, melhor! “Teu amor
me dá asas!”, dizia Khalil Gibran a Mary Haskell, enquanto ela o arrastava
montanha acima, mãos bem apertadas, para que suas asas pudessem ser testadas.
Que nem sempre dá certo, é fato; às vezes, o mármore
resiste, ou racha... mas não desistimos do cinzel e do nosso ofício por causa
disso. Príncipes e princesas esperam, impacientes, no mundo das ideias, para
quem alguém os traga ao mundo... e o mundo anseia ardentemente por eles, e
sofre por sua ausência...sofre das piores dores que um mundo humano pode
sofrer, apenas e exclusivamente por sua ausência, e o amor é o único escultor
hábil o suficiente para trazê-los ao mundo! Isso não é real? Diga, minha jovem,
se tiver coragem, que isso não é real!
“Mas é trabalhoso, decepciona, dói...” Deixa eu te
contar uma coisa: não existe dor mais dolorida do que a da mediocridade; sonho
não realizado, vida não cumprida, amor não exercitado...não tem analgésico, no
céu ou na terra, que dê jeito nisso! É, viver dói... não viver, sobreviver
apenas, não só dói: mutila.
Enquanto uma lágrima que, de tão humana, chega
a ser doce, escorre pelo meu rosto, eu lembro que acredito em fadas, que creio
em sonhos, que creio nos homens, que creio na vida. E bato energicamente minhas
palmas para que seus sonhos despertem, minha jovem. Para que a sua realidade
seja povoada de Pietás e Réquiens, e não de pedras brutas de
mármore, nanquim e papel em branco. Nós não acreditamos em contos de fadas: nós
os vivemos. Eles existem porque nós existimos, e pronto! Escolha o seu mundo, a
sua realidade: todos têm dores e realizações, cada um ao seu jeito; eu opto,
para hoje e para sempre, solenemente, por uma realidade que não é dada de
graça, que se constrói com os materiais que nos oferece a terra e os sonhos que
esperam por nós, nos céus...
Lúcia Helena Galvão
Diretora adjunta de Nova Acrópole Brasil