E lá se vai mais um dia dos namorados; como o comércio
é temático e colore as nossas cidades, circulamos por alguns dias no meio de
inúmeros cupidos, corações vermelhos, fotos de casais apaixonados... e
voltamos nossa atenção para o amor, embora não para entendê-lo, mas sim para
desfrutar dele, como emoção súbita que quebra a monotonia e introduz um sabor
diferente, mas ou menos intenso, mais ou menos duradouro, na nossa vida.
Alguns filósofos, seres com mania de querer entender
as coisas, ao invés de apenas saboreá-las, costumavam dizer que o amor é a
busca daquilo que nos falta; com esse pensamento em mente, eu saí por aí
olhando um pouco para o mundo e para mim mesma, e a catalogar quantas coisas
nos faltam. Na vitrine da perfumaria, cheia de imagens de amor, eu vi muitas
rosas tristes, morrendo precocemente, amontoadas num vaso, sem água fresca, sem
ar. Serão trocadas amanhã; afinal, elas têm preço, não tem valor; não há tempo
para pensar em vasos; é tempo de pensar em amor! O homem maltrapilho
recolhe as moedas que o jovem apressado lhe dá e fica, alguns segundos,
perplexo, olhando para elas; talvez não quisesse apenas moedas ou
principalmente moedas, mas um olhar, um sorriso que lhe lembrasse que ele
existe para alguém. A placa de trânsito, vandalizada, se equilibra
pateticamente numa só perna, tentando, com a dignidade possível, cumprir ainda
sua função: sinalizar o caminho para os homens que correm atrás do amor.
Os homens passam uns pelos outros sem uma palavra ou
olhar: o que dizer a um estranho? Com um pouco mais de tempo, talvez
percebessem que o outro é um só mais uma frente de batalha contra o mesmo
inimigo: a dor, a ignorância, o medo, a impotência ante a adversidade; com um
pouco mais de tempo, olhariam talvez para o outro e diriam, ainda que
silenciosamente: “E aí, companheiro? como foi com a preguiça e a tristeza,
hoje? e a motivação, e os sonhos, tudo ok? força aí, parceiro!” Mas que
bobagem, não há tempo para isso; há que chegar a algum lugar e despejar sobre o
eleito do nosso coração todas as nossas expressões ruidosas de amor. Há que
atravessar um caminho mudo de amor, passando por ruas e casas e animais e
coisas e gente vazia de amor. Passar rápido, de cabeça baixa, deixando um
rastro seco para trás, pois há relembrar a alguém o quanto o amamos,
entenda-se, o quanto nos deve, pois tanto “sentimento” não pode ficar sem
contrapartida...
Peço
desculpas ao publicitário, à moça da perfumaria, ao rapaz da floricultura, a
todos, enfim, pois os filósofos são meio desmancha-prazeres. Se lhes falam de
amor, imaginem, querem saber o que é isso, e, uma vez razoavelmente entendido,
querem usar para valer; não se sentam, lânguidos, em bancos de praças, chorando
pelos amores perdidos... Pedir amor a um filósofo é como dar, a uma criança,
uma grande caixa de lápis de cor. “Pinte só o que é seu, querida!” E ela te
sorrirá com um sorriso matreiro e encantador, e sairá pintando muros, ruas,
pontes... sairá colorindo a vida.
Lúcia Helena Galvão,
professora e Vice-diretora voluntária da Nova
Acrópole do Brasil
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