segunda-feira, 10 de junho de 2013

A morte, por Apolônio de Tiana


"Não existe a morte de ninguém, exceto na aparência, e não existe nenhum nascimento, a não ser aparente. A mudança do ser para o tornar-se parece ser o nascimento, e a mudança do tornar-se para o ser parece ser a morte, mas na verdade ninguém jamais nasce, e jamais alguém perece. Simplesmente um ser é visível, e então, invisível; o primeiro pela densidade da matéria, o último pela sutileza do ser - um ser que é o mesmo sempre, sua única modificação sendo o movimento e o repouso. Pois o ser tem esta peculiaridade necessária: sua mudança não é produzida por nada externo a si; mas o todo se torna partes e as partes se tornam o todo na unidade de tudo. 

E se for perguntado: O que é isto que às vezes é visto e às vezes é invisível, ora no mesmo, ora no diferente? - poderia ser respondido: é o modo de todas as coisas aqui no mundo inferior, que quando estão cheias de matéria são visíveis; devido à resistência de sua densidade, mas são invisíveis devido à sua sutileza, quando se livram da matéria, mesmo que a matéria ainda as circunde e flua através delas naquela imensidão de espaço que existe nelas mas que não conhece nascimento ou morte.

Mas por que esta falsa noção (de nascimento e morte) permaneceu tanto tempo sem refutação? Alguns pensam que o que lhes sucede foi produzido por eles mesmos. São ignorantes de que o indivíduo é trazido ao nascimento através dos pais, e não pelos pais, assim como uma coisa produzida através da Terra não é produzida dela. A mudança que sobrevém ao indivíduo não é nada que seja causado pelo seu ambiente visível, mas é antes uma mudança na única coisa que existe em cada um.


E que outro nome pode ser dado a isso exceto o de ser original? A única coisa que age e sofre se tornando tudo por tudo através de tudo, eterna deidade, privada e afastada de seu próprio ser [self, no original - NT] por nomes e formas. Mas isso é menos sério do que um homem lamentar-se quando passa de homem a Deus pela mudança de estado e não pela destruição de sua natureza. O fato é que longe de lamentar a morte, deveríeis honrá-la e reverenciá-la. O modo melhor e mais adequado para honrardes a morte é agora liberar o que foi para Deus, e dispor-vos para encaminhar do modo costumeiro os que ficaram sob vossa responsabilidade. 

Seria uma desgraça para um homem como vós deixar que o tempo e não a razão se encarregue da cura, pois o tempo faz com que até mesmo as pessoas comuns deixem de lamentar. A maior coisa é uma regra firme, e o melhor governante é aquele que primeiro governa a si mesmo. E como seria permissível alterar o que sucedeu pela vontade de Deus? Se há uma lei nas coisas, e há uma lei, e é Deus quem a dispôs, o homem justo não terá desejo de tentar mudar as coisas boas, pois tal desejo é egoísta, e contra a lei, mas ele pensará que todas as coisas que sucedem são boas. Eia! curai-vos, dai justiça aos oprimidos e consolai-os; assim secareis vossas lágrimas. 

Não deveis colocar vosso pesar pessoal acima de vossos deveres públicos, mas antes colocai vossos deveres públicos antes de vosso pesar pessoal. E vede também que consolações ainda tendes! A nação se entristece convosco por vosso filho. Dai algum retorno àqueles que o choram convosco; e isto fareis mais rápido se cessardes de chorar do que se persistirdes. Não possuís amigos? Como! ainda tendes outro filho! Não tendes mais o que partiu? Mas o tendes! - responderá qualquer um que realmente pensa. Pois 'aquele que é' não cessa jamais - melhor: é justamente pelo mesmo fato de que o será para sempre; ou então 'não é', mas como o poderia ser quando o que 'é' jamais cessa de ser?

Mas será dito que falhais na piedade para com Deus e sois injusto. Verdade, falhais em piedade para com Deus, falhais na justiça para com vosso menino; pior, falhais em piedade também para comigo. Não sabeis o que é a morte? Então matai-me e enviai-me para a companhia da morte, e se não alterais o vestido que colocastes nisto (isto é, em sua ideia da morte), tereis me tornado nitidamente melhor do que vós mesmos"


Fonte: Carta do sábio Apolônio de Tiana  endereçada a Valério, provavelmente P. Valério Asiático, cônsul em 70 d.C. É uma sábia carta de consolação filosófica para possibilitar que Valério suporte a perda de seu filho, e segue assim (A.E.Chaignet, em seu Pythagore et la Philosophie pythagoricienne; Paris, 1873; 2ª ed., 1874; cita-a como sendo genuíno exemplo da filosofia de Apolônio)


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