quarta-feira, 10 de julho de 2013

O grão de mostarda




Um homem rico encontrou, certa vez, seu ouro transformado em carvão. Lançou-se ao leito e recusou todo alimento. Um de seus amigos, tomando conhecimento de sua doença, veio vê-lo e pediu-lhe para contar qual era a razão de seu mal. O amigo, então, disse-lhe: 'Tu não fizeste um bom uso de tuas riquezas. Quando tu acumulas, teu ouro não vale mais que o carvão. Agora, ouça um conselho: vai estender teus tapetes no mercado, enche-os de carvão e anuncia a venda'. Foi o que fez o rico. E quando seus vizinhos lhe perguntaram: 'Por que vendes carvão?', ele respondia: 'São meus bens que coloco à venda'.

Algum tempo depois, uma jovem muito pobre, chamada Krisha Gotami, passando por ali e vendo o rico no mercado, disse-lhe: 'Senhor, vós vendeis também pilhas de ouro e de prata?'. O rico disse então: 'Vós podereis me fazer o favor de me dar este ouro e esta prata?'. Krisha deu um murro no carvão e então ele se transformou em ouro.

Vendo que Krisha possuía o olho mental do conhecimento e que ela via o valor real das coisas, ele a casou com seu filho, e dizia: 'Para muita gente, o ouro não vale mais do que carvão, mas com Krisha Gotami, o carvão se transformou em ouro'.

Ela teve um filho, mas essa criança morreu. Em sua dor, ela levou a criança morta a todos os seus vizinhos, pedindo-lhes um remédio. E as pessoas diziam: 'Ela perdeu a razão, a criança está morta'. Finalmente Krisha encontrou alguém que deu resposta a sua súplica: 'Eu não conheço remédio para teu filho, mas eu conheço um médico que poderá fornecê-lo a ti'. Então ela respondeu: 'Eu te suplico, diga-me quem é essa pessoa'. O homem respondeu-lhe: 'Vá procurar Buda em Sakyamuni'.


Krisha Gotami foi até o Buda e exclamou em prantos: 'Senhor, nosso Mestre, dê-me um remédio para curar meu filho'. O Buda respondeu: 'Não é necessário nada mais do que um grão de mostarda'. E como a jovem mulher prometesse procurá-lo, ele acrescentou: 'Esse grão de mostarda deve vir de uma casa que não perdeu um filho, um parente, um amigo'.
Buda pediu a mulher que sofria a morte do filho que
trouxesse um grão de mostarda de uma família que
nunca tivesse sofrido a perda de um ente querido

A pobre Krisha Gotami foi de casa em casa; as pessoas tinham pena dela e diziam-lhe: 'Eis o grão de mostarda, toma-o'.

Mas quando ela perguntava: 'Vós perdestes, em sua família, um filho, uma filha, um pai, uma mãe?' Eles respondiam: 'Ai! Os vivos são pouco numerosos, mas os mortos são inúmeros! Não desperte nossa dor'. E ela não encontrou uma única casa em que não tivesse a deplorar a morte de um ente querido.

Fatigada e desesperada, ela sentou-se à beira do caminho, contemplando as luzes da cidade; elas se enfraqueceram, depois logo se apagaram. A escuridão tomou conta do lugar. Ela pensou no destino do homem cuja vida se enfraquece, depois se apaga, e disse consigo: 'Que egoísta sou em minha dor! A morte é o destino comum. Sem dúvida há neste vale de desolação, um caminho que leve à imortalidade que desenraíze todo egoísmo'. E, dominando o egoísmo do seu amor pelo seu filho, Krisha Gotami enterrou seu cadáver no bosque. Ela partiu, em seguida, para junto de Buda e nele se refugiou, encontrando consolo no Dharma, bálsamo que atenua todas as penas dos corações dilacerados.

O Buda, então, disse: 'A vida dos mortais sobre a terra está envolta, atravessada e alterada pela dor. Porém não há nenhum meio para aqueles que nascem deixarem de morrer, após a velhice vem a morte. Assim o quer a natureza dos seres vivos. Da mesma forma como os frutos maduros chegam a ponto de cair da árvore, também os mortais, desde o instante em que nascem, caem no poder da morte. Todos são submissos a ela. Entre os que, assustados pela morte, abandonam a vida, o pai não pode salvar seu filho, nem os mesmos da família seus pais. Vede! Enquanto os pais olham e se lamentam com amargura, um homem após outro é levado como um boi que se leva ao matadouro. Assim, o mundo é afligido pela morte e ruína, e é por isso que o sábio não é desconcertado, porque conhece as leis do mundo' (...).

Fonte: A tradição e as vias do conhecimento - ontem e hoje, Fernando Schwarz, Edições Nova Acrópole, páginas 86 e 87

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