quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O futuro, desde sempre, mergulha suas raízes no presente...

No  livro  “A  Luz  da  Ásia”,  onde  se  conta  de  forma muito bela  a  vida  do  Budha,  o  autor  coloca  nos  lábios  deste mestre oriental  a  frase  que  serve  de  título  a  este  artigo:  “  Se  o
futuro  não  encontra  raízes  no  presente,  como  germinará,  no tempo que virá? Aquilo que é, de uma certa maneira,  sempre foi...”  Como  filósofa,  proponho  tomarmos  esta  ideia  como
possibilidade  e  usarmos  algo  do  nosso  tempo  para  examinar esta questão das sementes que plantamos e das colheitas que temos feito.

Se  pararmos  para  procurar,  talvez  vejamos  que  alguns dos momentos mais interessantes  da  nossa vida, as  sementes mais  promissoras,  sejam  aquelas  que  nascem  no  terreno da  maturidade  que  vamos  adquirindo:  um  pouco  mais  de compreensão do  tamanho do drama humano, um pouco mais de  valorização  de  suas  pequenas  iniciativas  para  se  sobrepor ao  meio  e  a  si  mesmo,  um  pouco  mais  de  compaixão  pela nossa  pouca  memória,  pois  já  ouvimos  tantas  boas  “receitas de  bolo”, mas  insistimos  em  começar  do  zero,  desperdiçando ingredientes,  tempo,  Fogo...    E  também  um  pouco  menos  de ansiedade  para  valorizar  os  avanços  instáveis  e  inseguros  dos primeiros passos, em cada nova conquista, sabendo que a vida estará sempre demandando paciência para os primeiros passos e aceitação para os últimos; um pouco menos de crueldade, ao julgarmos uns aos outros, e de firmeza, para conduzirmos a nós mesmos...  Tantas  coisas,  pequenas,  mas  valiosas,  creio,  como são as sementes. São como primeiros  trinados da voz da alma humana, que se esforça por achar a nota.

Fico  imaginando  se,  ao  invés  de  ambições  malucas  e vaidades duvidosas, aceitássemos apenas isso: gerar pequenas sementes,  belas  e  consistentes;  pequenos,  mas  melodiosos “vocalizes”,  onde  nossa  alma  emitisse  seus  primeiros  sons. Um dia, haverá árvores e haverá árias, sombras acolhedoras e sons  melodiosos.    Que  a  maturidade  nos  permita  amar  estes frutos que serão colhidos no futuro por outras mãos, mas que, para isso,  necessitam, neste momento, mergulhar  suas  raízes profundamente dentro de nós. A semente é minúscula, mas o sonho que ela representa, não.

Talvez isso pareça um sonho modesto, porque perdemos o  foco,  em  nossos  dias:  esquecemos  que  a  única  obra  válida e  perdurável  do  homem  é  a  construção  do  próprio  homem de  uma  forma  irônica e até  um  tanto absurda,  trabalhar  para qualificar  a  humanidade  deixou  de  ser  uma  meta  relevante... para  a  humanidade.  Daí,  o  paradoxo  atual:  não  vivemos  uma época “estéril”, no sentido de que as sementes que plantamos têm  sido  colhidas  abundantemente:  muita  tecnologia,  muitos meios de comunicação (e tão pouco de válido a dizer!), muitas novas  formas  de  entretenimento  para  aqueles  cuja  vida consiste apenas em “passar o tempo” agradavelmente.

Porém, se há tantos frutos, por que será que continuamos nos sentindo  de mãos  vazias,  com  vidas  vazias,  falando  palavras... vazias?  Talvez  haja  que  prestar  mais  atenção  nessa  óbvia e  bela  relação  entre  sementes  plantadas  x  frutos  colhidos. Talvez  haja  que  perceber  que,  queiramos  ou  não,  tenhamos ou não consciência,  toda nossa vida  se divide entre colheita e semeadura.

Há  uma  passagem  de  uma  muito  popular  canção  que indaga,  desafiadoramente:  “Você  tem  fome  de  quê?”  Sem dúvidas, uma boa pergunta... pense nela, antes de escolher as sementes  que  serão  seu  rastro  neste  dia,  neste  ciclo...  nesta vida;  que  tipo  de  fome  elas  saciarão,  no  futuro?  É  justo  e necessário  cuidar  das  sementes  que matam a  fome  do  corpo; mas  a  alma  também  sofre  de  inanição,  e  um mundo  humano sem  alma  oferece  o  mais  triste  e  amargo  espetáculo  que  se possa imaginar.

Professora e Diretora adjunta de Nova Acrópole
Lúcia Helena Galvão
luciahga@hotmail.com

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A cortesia


Começaremos esclarecendo que o verdadeiro sentido etimológico e ideológico da palavra "cortesia" nos vem das antigas "cortes", lugares habitualmente usados por filósofos, artistas, literatos, políticos, economistas, juízes, médicos e, em geral, todos os profissionais e pessoas distintas a quem correspondia tomar as considerações e decisões em um estado ou reino, em uma, como dizia Platão, congregação; quem, por seus talentos, saberes e habilidades, prestavam um serviço público à sociedade; os que estavam encarregados do estado, palavra que, em latim, se transformou em "res pública" (da coisa pública), de onde vem a palavra "República".
Em todas as antigas culturas e civilizações que conhecemos, ainda que parcialmente, existia uma forma "cortês" de relações entre as pessoas. Na chamada idade Média do Ocidente, o cortês se configurou em círculos mais fechados de comunicação entre damas e Cavalheiros e destes entre si, desde a formação como pajens até a culminação como cavalheiros.
Desgradaçadamente, com o andar do tempo, muitas dessas sãs e úteis tradições caíram em desuso e também na degeneração, promovendo costumes falsos e mentirosos. Esta última imagem é a que nos tem chegado através da comunicação massiva. E hoje, sobretudo entre os medianamente jovens, os que sofreram a deformação do pós-guerra, a cortesia aparece como um sinônimo de falsidade e falta de autenticidade.
Nós, filósofos, queremos resgatar e gerar formas de cortesia que nos afastem da animalidade estupidizante e do enfado do meramente instintivo.
A cortesia é, por sua vez, uma forma de generosidade e de amor. Um reconhecimento da fraternidade universal para além de todas as diferenças de classes, etnias, sexos, condições sociais e econômicas. É uma maneira humilde, mas agradável de aplicarmos nosso primeiro princípio:
Reunir aos homens e mulheres de todas as crenças, raças e condições sociais em torno de um ideal de fraternidadeuniversal.
Assim como, quando damos um presente, por pobre que este seja, costumamos cobri-lo de papéis e fitas coloridas, de maneira que antes de chegar ao objeto em si, o destinatário tenha a sensação de que pensamos carinhosamente nele e que nos preocupamos em expressar-lhe nossos sentimentos afetuosos e nossos bons desejos. Toda palavra e ação devem estar prudentemente envoltas de nossa capacidade de dar e amar.
Não se é menos homem ou menos mulher por superar rusticidades. Ao contrário, são o cavalheiro e a dama mais eficazes e agradáveis se põem em tudo que fazem uma pitada de beleza, de amor e de cortesia. Saudarmo-nos com um aperto de mãos, um abraço ou um beijo, conforme sejam as circunstancias e os atores, e por "ator" devemos entender o que o Imperador Augusto entendia: partícipes ativos e eficazes da vida... O que faz algo, o verdadeiro "Ator", segundo o teatro "Mistérico", é o que representa as coisas, o que as apresenta de novo, mas agora com uma carga de interpretação humana que as melhora, embeleza e enobrece, de modo que todos possam participar de alguma maneira delas.
Deveríamos nos esforçar em deixar fora todo gesto de ira e amargura, de ódio ou de rancor. Esta atitude, mesmo que se comece de forma meramente externa, se se mantém com força e perseverança, chega a atingir patamares mais profundos, e como o palhaço dos contos, de tanto sorrir e fazer rir, acaba por contagiar-se a si mesmo com sua alegria e encontra consolo para as desventuras da vida.
Existem muitas "ideologias" políticas e religiosas que têm provocado genocídios e tem feito muitas pessoas chorarem. Façamos nós o contrário; tragamos alegria, paz, concórdia, prosperidade. Um filósofo triste por circunstâncias banais, não é um verdadeiro filósofo; é menos ainda, se o demonstra e anda chorando suas penas a todas as suas amizades, dando sinais de frouxura, impotência espiritual e debilidade vampirizante.
Acostumemo-nos a dar antes de pedir.
Evitemos julgas os demais à luz de nosso ainda nascente discernimento, abundantemente deformado por nossas paixões. Sejamos fortes e verticais.
No mundo já há mendigos demais... Não sejamos um deles.
Não me refiro tão somente ao plano econômico, mas sim ao global. Ofereçamos as mãos cheias! Nossa energia, nossa bondade e boa vontade para todos. Trabalhemos muito. Estudemos, pensemos e oremos o necessário..., mas, acima de todas essas coisas, rompamos nossos modelos de egocentrismo, com Humildade de Coração, que não é do corpo e dos trapos. Sejamos corteses... Façamos realmente e todos os dias um mundo novo e melhor... E vivamos nele.