domingo, 13 de julho de 2014

Um mito para se viver

Há poucos dias, vivi em algum grau o que várias vezes já repeti em sala de aula para os meus alunos: sabe aquele instante em que o tempo parece congelar, e tudo acontece em horas, quando para você foram poucos minutos de pura Vida escorrendo entre seus dedos?

O relógio em meu pulso completou sua saga no máximo cinco vezes, porém meu coração pulsava como se o tempo fosse eterno. Lembrei-me do trecho do épico livro da tradição hindu, o BhagavadGita, que conta a história de um herói, que ao entrar num campo de batalha, até os Deuses pararam para vê-lo lutar. Um verdadeiro “tempo fora do tempo”.

Então, comecei a refletir sobre os Mitos, e como eles foram feitos para durar para além de sua própria existência. Que oportunidade bonita com a qual o Destino me presenteou: poder viver ideias, histórias, batalhas... quão belo é poder sonhar.

Lembrei-me ainda do tempo em que eu era criança, e que para dormir não era suficiente um cobertor, um travesseiro, ou em épocas mais remotas, um ursinho de pelúcia. Não bastava o “beijo de boa noite” dos meus pais, ou o “durma bem, meu irmão querido”. Havia a necessidade de um ritual de passagem: as histórias antes dormir contadas por minha mãe ou por meu pai. Às vezes, era para eles um sacrifício manterem-se acordados até o “e viveram felizes para sempre... FIM!”. Hoje entendo o valor deste sacro ofício de ensinar e educar pacientemente uma criança.

As histórias de príncipes, princesas, peixinhos dourados, meninos levados...todas elas ficarão para sempre marcadas em meu coração, porém, mais profundas do que estas marcas são as lembranças de quão importante era ir me desconectando da realidade de um dia cansativo em meio a brincadeiras e outros desgastes que só as crianças têm, para adentrar numa realidade ainda mais real, o maravilhoso mundo dos sonhos. Era como se aquelas histórias fossem uma preparação para que a entrada neste outro mundo não acontecesse de uma vez só.

Gostar de histórias e contos de fadas quando se é criança tem o seu valor, mas continuar gostando de tudo isso depois de adulto tem também o seu sabor. Não tenho vergonha de dizer que sigo acreditando em peixinhos dourados, bruxas e dragões.  Porém, hoje os vejo para além dos livros e filmes, vejo-os todos os dias, em cada desafio e em cada novo aprendizado que retiro das experiências da vida.

Neste tempo fora do tempo ao qual me referi no início desta reflexão, revivi a saga de um Cavaleiro Andante que fez da lança seu escudo, do escudo sua morada, da morada seu castelo. Mergulhei no mar de sonhos de um homem que se fez real pela magia de sua própria imaginação. De moinhos fez gigantes, de mulheres fez donzelas, de parceiro fez amigo fiel escudeiro.

Já não sabia mais se estava nas estradas da Espanha ou na comemoração de aniversário de uma pessoa querida, também cavalheiro, também andante, mas não mais de triste figura, pois seu sorriso expressava toda alegria de seu coração. Em meio ao amarelo solar e o vermelho vibrante, uma bandeira flamejante fez-se bolo, a uva fez-se brinde, e um mito fez-se festa!

Em um palco onde sombras e homens se mesclavam, representamos este teatro da vida real e imaginária daqueles que reconhecem como sentido de sua trilha a estrela que brilha no céu da noite escura dos tempos. E neste palco, pronunciamos as falas que diziam muito por nós: “há homens que dormem e não sonham, outros que sonham despertos, há ainda os que matam seus sonhos, e aqueles que lutam sonhando. Os idealistas acreditam que não há impossíveis, mas sim, impossibilitados. Impossibilitados de sonhar, de viver uma saga heroica, de lutar por tudo aquilo que acreditam”.

Dias antes, li numa revista já coberta pelo marrom envelhecido dos anos, os versos que seguiram estas frases: “Não é loucura viver por um Ideal, nem loucura crer em Damas e Cavalheiros, ou render culto à honra e lutar pela justiça. Não é loucura crer em Deus, e amar todo o nobre e todo o bom. Não é loucura confrontar-se com gigantes para convertê-los em moinhos de vento. Não é loucura, neste mundo de egoísmo e violência, ser idealista. Não é loucura lutar apaixonadamente pela construção de um mundo novo e melhor. Se és idealista, o Quixote eterno... está dentro de ti!”

Hoje, trazendo à memória todas estas imagens, reafirmo com toda a força do meu coração: não é loucura crer em contos de fadas, não é loucura crer em mitos e heróis. Loucura mesmo é acreditar que a solução das nossas vidas está naquilo que o tempo pode roubar de nós.

Crônica de Aline Almeida

 

 

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