quinta-feira, 9 de junho de 2016

Mais uma vez, o Amor...

E lá se vai mais um dia dos namorados; como o comércio é temático e colore as nossas cidades, circulamos por alguns dias no meio de inúmeros cupidos, corações vermelhos, fotos de casais apaixonados...  e voltamos nossa atenção para o amor, embora não para entendê-lo, mas sim para desfrutar dele, como emoção súbita que quebra a monotonia e introduz um sabor diferente, mas ou menos  intenso, mais ou menos duradouro, na nossa vida.
Alguns filósofos, seres com mania de querer entender as coisas, ao invés de apenas saboreá-las, costumavam dizer que o amor é a busca daquilo que nos falta; com esse pensamento em mente, eu saí por aí olhando um pouco para o mundo e para mim mesma, e a catalogar quantas coisas nos faltam. Na vitrine da perfumaria, cheia de imagens de amor, eu vi muitas rosas tristes, morrendo precocemente, amontoadas num vaso, sem água fresca, sem ar. Serão trocadas amanhã; afinal, elas têm preço, não tem valor; não há tempo para pensar em vasos; é tempo de pensar em amor!  O homem maltrapilho recolhe as moedas que o jovem apressado lhe dá e fica, alguns segundos, perplexo, olhando para elas; talvez não quisesse apenas moedas ou principalmente moedas, mas um  olhar, um sorriso que lhe lembrasse que ele existe para alguém. A placa de trânsito, vandalizada, se equilibra pateticamente numa só perna, tentando, com a dignidade possível, cumprir ainda sua função: sinalizar o caminho para os homens que correm atrás do amor.
Os homens passam uns pelos outros sem uma palavra ou olhar: o que dizer a um estranho? Com um pouco mais de tempo, talvez percebessem que o outro é um só mais uma frente de batalha contra o mesmo inimigo: a dor, a ignorância, o medo, a impotência ante a adversidade; com um pouco mais de tempo, olhariam talvez para o outro e diriam, ainda que silenciosamente: “E aí, companheiro? como foi com a preguiça e a tristeza, hoje? e a motivação, e os sonhos, tudo ok? força aí, parceiro!”  Mas que bobagem, não há tempo para isso; há que chegar a algum lugar e despejar sobre o eleito do nosso coração todas as nossas expressões ruidosas de amor. Há que atravessar um caminho mudo de amor, passando por ruas e casas e animais e coisas e gente vazia de amor. Passar rápido, de cabeça baixa, deixando um rastro seco para trás, pois há relembrar a alguém o quanto o amamos, entenda-se, o quanto nos deve, pois tanto “sentimento” não pode ficar sem contrapartida...
Peço desculpas ao publicitário, à moça da perfumaria, ao rapaz da floricultura, a todos, enfim, pois os filósofos são meio desmancha-prazeres. Se lhes falam de amor, imaginem, querem saber o que é isso, e, uma vez razoavelmente entendido, querem usar para valer; não se sentam, lânguidos, em bancos de praças, chorando pelos amores perdidos... Pedir amor a um filósofo é como dar, a uma criança, uma grande caixa de lápis de cor. “Pinte só o que é seu, querida!” E ela te sorrirá com um sorriso matreiro e encantador, e sairá pintando muros, ruas, pontes... sairá colorindo a vida.


Lúcia Helena Galvão,
 professora e Vice-diretora voluntária da Nova Acrópole  do Brasil


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